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sexta-feira, 8 de abril de 2011

SEMINÁRIO DE ESTUDOS CRONOLÓGICOS DAS OBRAS DE FREUD - ALUNOS FORTALEZA-CE

• “As Neuropsicoses de Defesa”
• Sobre os fundamentos para destacar da neurastenia uma síndrome específica denominada “Neurose de Angústia”
• “Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa”
• “A Sexualidade na etiologia das Neuroses”
• “Lembranças encobridoras”




Um Novo olhar sobre a psicopatologia

Entre 1895 e 1899, Freud esclarece, em diversos artigos, algumas noções já apresentadas em forma de esboço em seus trabalhos sobre a histeria; o primeiro e o terceiro artigo fazem uma sequência e oferecem uma excelente demonstração da maneira como Freud evolui em sua pesquisa do mecanismo que produz os sintomas histéricos, as fobias e as obsessões; o segundo artigo delimita, pela primeira vez, a neurose de angústia como afecção específica – é o ataque de pânico de hoje - diferenciando-se da neurastenia; o quarto artigo destina-se a convencer o corpo médico vienense da validade de sua hipótese sobre a etiologia sexual das neuroses; finalmente, o quinto artigo introduz a noção de lembranças encobridoras, lembranças da infância, aparentemente banais, mas que ocultam outras que foram reprimidas e que conservam seu poder patogênico no inconsciente.

No artigo publicado em 1894, Freud revela, logo no início, uma grande parte do mecanismo que está na origem dos sintomas histéricos, das fobias e das obsessões; ele complementa seus pontos de vista no artigo de 1896 e os arremata em 1915, em um capítulo de Artigos sobre metapsicologia, intitulado “Repressão” (1915d).


Os sintomas histéricos: conversão somática da energia psíquica

Em “As neuropsicoses de defesa”, Freud toma como modelo a histeria e vai mais longe do que seus antecessores, que se limitaram a considerar o estado de dissociação, observado nos histéricos, como a causa primária dos sintomas, que Janet chamou de “clivagem de consciência” e Breuer de “estado hipnóide”. Freud lança suas próprias hipótese, demonstrando que a dissociação não é espontânea e que o paciente produz, ativamente, esse estado de dissociação do psiquismo por um “esforço de vontade”. A dissociação histérica pode ocorrer em uma pessoa que, até então, se encontrava “em bom estado de saúde psíquica”, e sobrevém quando ela é confrontada de súbito com “representações” intoleráveis que despertam “afetos” dolorosos que gostaria de “esquecer”. “A pessoa decidiu esquecer a coisa por não ter força para resolver mediante o trabalho de pensamento a contradição entre essa representação inconciliável e seu ego”. Como o ego consegue “esquecer” essas representações intoleráveis? A essa pergunta, Freud responde que o ego tenta atenuar a força dessas representações com um objetivo de defesa – daí a denominação “neuropsicose de defesa” – sem conseguir suprimi-la. A excitação residual ressurge, então, sob a forma de sintomas patológicos e, no caso da histeria, essa excitação é convertida em sintomas somáticos: “A soma de excitação é reportada no corporal, processo para o qual eu proporia o nome de conversão”

Freud demonstra, assim, que os sintomas das neuropsicoses são a expressão de um distúrbio situado no nível psíquico e que eles não resultam de uma “degenerescência” pessoal ou hereditária, como se acreditava até então. Sua hipótese explica, igualmente, a reversibilidade do processo e o efeito terapêutico: ”A ação do método catártico de Breuer”, diz ele, “consiste em provocar, intencionalmente, o retorno da excitação do corporal no psíquico, a fim de obrigar a que a contradição seja regulada pelo trabalho de pensamento e a excitação descarregada pela palavra”.


Transformação de pensamentos patogênicos em fobias, obsessões ou alucinações

Freud estuda, em seguida, sua hipótese acerca de formação de fobias e obsessões, assim como da psicose alucinatória. Nas neuropsicoses fóbicas e obsessivas, a aptidão à conversão somática, que caracteriza a histeria, está ausente, de modo que a representação enfraquecida subsiste no domínio psíquico sob a forma de pensamentos tormentosos que substituem os pensamentos patogênicos: “A representação enfraquecida permanece na consciência, à parte de todas as associações, mas seu afeto liberado se liga a outras representações, em si mesmas não-inconciliáveis, que se transformam por essa ‘falsa conexão’ em representações tormentosas”. Quanto à psicose alucinatória, ela obedece ao mesmo mecanismo que o das neuropsicoses, mas, nesse caso, a dissociação é acompanhada de um tipo muito enérgico e eficaz de defesa: “Ela consiste em que o ego rejeita (‘vervirft’) a representação insuportável (‘unerträglich’), ao mesmo tempo em que seu afeto, e se comporta como se a representação nunca tivesse chegado ao ego. Mas, no momento em que isso se realiza, a pessoa se encontra em uma psicose que só pode ser classificada como uma ‘confusão alucinatória’”. Consta-se que, desde o início de sua obra, Freud examina os mecanismos da neurose e da psicose, como fará, em seguida.

Aqui é preciso fazer duas observações. De um lado, Freud fala do “esforço de vontade” que o paciente realiza para “esquecer”, “recalcar” ou “reprimir” as representações inconciliáveis e, embora, tenha a intuição de que o processo se desenvolve fora da consciência do paciente, ainda não fala do processo de repressão, propriamente dito: “(...) trata-se de processos que ocorrem sem consciência”. Ele introduzirá a noção de repressão no artigo de 1896. De outro lado, Freud afirma que a necessidade de recorrer a “abstrações psicológicas” para dar conta de suas observações em termos gerais, abordagem que ele qualificará, mais tarde, de ponto de vista “metapsicológico”.

O Papel do a posteriori

Nas “Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa”, lançadas em 1896, Freud completa suas idéias anteriores. Ele retoma a hipótese apresentada nos Estudos sobre histeria, publicados um ano antes, segundo a qual as representações histéricas patogênicas estão ligadas a um traumatismo sexual que remonta à infância. Acrescenta que o núcleo da histeria está em que a pessoa “esquece” a experiência traumática “reprimindo-a” por um mecanismo inconsciente. Mas, segundo Freud, a ação do traumatismo, por si só, não é suficiente para explicar a repressão; ele fala de um processo em dois tempos que denomina de “a posteriori”, noção já mencionada no “Projeto”. A formação das obsessões também passa pelo processo de repressão, seguido do retorno do reprimido, depois pela criação de representações de compromisso. Ele termina aplicando suas idéias a um caso de paranóia crônica que considera como uma “psicose de defesa” e que obedece aos mesmos mecanismo que a neuropsicose de defesa.

Vinte anos mais tarde, em “Repressão”, Freud esclarecerá que a noção de “repressão” se aplica, especificamente, à representação, enquanto a noção de “recalque” se relaciona com afeto.


Sobre os Fundamentos para destacar da neurastenia uma síndrome específica denominada “Neurose de Angústia”


A síndrome conhecida com o nome de “neurastenia” apareceu durante os anos 1880, para descrever uma afecção caracterizada por uma fadiga de origem “nervosa” e os sintomas mais variados. A primeira contribuição de Freud nesse sentido diz respeito à origem da neurastenia: ele afirma que, na fonte da neurastenia, assim como em outras afecções ditas “nervosas”, encontra-se um distúrbio sexual. Sua segunda contribuição inovadora consiste em reunir, sob o nome de “neurose de angústia”, um grupo de sintomas que merecem um lugar mais específico dentro da neurastenia, quadro nosológico que recobria uma enorme diversidade de entidades clínicas. Na neurose de angústia, o principal sintoma é a angústia, assim como seus equivalentes sintomáticos, isto é,os tremores, palpitações, opressão, etc., e ainda a vertigem que, segundo ele, constitui um equivalente importante da angústia: “A ‘vertigem’ ocupa um lugar eminente no conjunto dos sintomas da neurose de angústia; em suas formas mais leves, é mais correto chamá-la de ‘aturdimento’; em suas manifestações mais severas, é o acesso de vertigem, com ou sem angústia, manifestações que fazem parte dos sintomas mais graves da neurose”. Na época em que Freud reúne esses diversos sintomas sob uma mesma denominação, ele considera que os sintomas da neurose de angústia e seus equivalentes, incluída a vertigem sob suas diferentes formas, não derivam de uma fonte psicológica (D. Quinodoz, 1994). Freud supunha, então, que as manifestações de angústia provinham, unicamente, de uma energia física, inacessível no sentido simbólico e à análise, ao contrário da histeria, em que a energia psíquica pode ser convertida em sintoma somático (paralisia, etc.), mas reversível, quando seu significado simbólico chega à consciência e se torna analisável.

Qual pode ser a origem da neurose de angústia? Freud observou em seus pacientes que os sintomas de angústia eram acompanhados de uma diminuição da libido, e atribuiu a origem desse tipo de neurose a uma acumulação excessiva de excitação sexual insatisfeita – como no caso da prática do coito interrompido – tensão puramente física que se transformaria, diretamente, em angústia por não poder ser elaborada no plano psíquico. Freud sustentará essa teoria, conhecida pelo nome de “primeira teoria da angústia”, até substituí-la, 30 anos mais tarde, por sua “segunda teoria da angústia”. A partir de 1926, ele afirmará que a angústia é determinada, essencialmente, pelo temor da perda e da separação do objeto, passando a situar sua origem no nível do psiquismo.

“A sexualidade na etiologia das neuroses”

Neste artigo, que foi também objeto de uma conferência que escandalizou o meio médico vienense, Freud afirma, pela primeira vez, a existência de uma sexualidade infantil autônoma, reunindo as ideias elaboradas no ano anterior. A partir de 1897, ele revisou sua teoria da sedução, depois de ter escrito a Fliess que reconheceria que ela estava errada (“não acredito mais na minha neurótica”, carta de 21 de setembro de 1897), e que aquilo que tomara por uma sedução sexual da criança pelo adulto era, na verdade, apenas a expressão de desejos incestuosos das crianças em relação aos pais. Por força dessas descobertas, Freud considerou importante informar aos seus colegas médicos que a etiologia das neuropsicoses não repousa, unicamente, em fatores desencadeantes, como os abusos sexuais reais, mas também em experiências fantasiosas ligadas às forças pulsionais surgidas durante a infância e ao longo da puberdade. Nessa contribuição, ele apresenta também a noção de a posteriori, que significa que o poder patogênico de um acontecimento traumático da infância pode não se manifestar no momento em que se produz, mas, retroativamente, quando se atinge uma etapa posterior do desenvolvimento sexual (puberdade, adolescência).

Freud leu esse trabalho em 1898, perante o Colégio dos médicos vienenses, leitura que chocou seus colegas, apesar do rigor, estritamente, científico com o qual expôs seu ponto de vista, ilustrando-o com exemplos clínicos. Suas idéias foram qualificadas de “conto de fada científico” por Krafft-Ebing que, no entanto, era especialista em psicopatologia sexual. Freud, que esperava dessa comunicação um reconhecimento oficial de suas descobertas, saiu dali desencantado e reforçado em seu pessimismo. A hostilidade com que suas idéias foram recebidas teve como conseqüência, entre outras, adiar sua nomeação ao cargo de professor da Universidade.

“Lembranças encobridoras”

A lembrança encobridora é um conceito inédito: trata-se de uma lembrança de infância que ficou gravada na memória com uma intensidade particular, apesar de um conteúdo aparentemente insignificante. Como explicar esse paradoxo? Usando o exemplo de uma lembrança que ele atribuiu a um de seus pacientes – que é apenas um fragmento autobiográfico – Freud analisa, minuciosamente, uma lembrança encobridora, cuja elaboração lhe permite livrar-se de uma fobia passageira. Trata-se da lembrança de uma cena no campo da qual participam o protagonista, na época com 2 ou 3 anos, além de outras crianças da mesma idade e uma linda prima. Essa cena ficou gravada em sua mente como uma lembrança indiferente até que um dia a lembrança de ter se apaixonado por uma moça de 17 anos veio esclarecer a lembrança da infância e despertar uma infinidade de outras lembranças reprimidas até então, descritas com um talento literário incontestável. A evocação da carga patogênica inconsciente contida nessas lembranças reprimidas permite a cura dessa fobia. Esse exemplo clínico, redigido como uma obra literária, é também a demonstração magistral de que a lembrança encobridora resulta de um compromisso entre duas forças psíquicas, uma guardando a lembrança banal na memória e a outra, pondo em prática uma resistência que oculta o significado patogênico inconsciente: as duas forças opostas não se anulam, mas produzem um compromisso que compensa as duas lembranças, condensação que se exprime jogando com a polissemia das palavras: “É a expressão verbal, sem dúvida, que estabelece uma ligação entre a lembrança encobridora e a que é encoberta”, observa Freud, da mesma maneira que descreverá, posteriormente, o mesmo fenômeno nos lapsos ou atos falhos.

Mais tarde, ele reafirmará a importância da lembrança encobridora, que condensa numerosos elementos infantis, ao mesmo tempo, reais e fantasiosos: “As lembranças encobridoras contêm, não apenas alguns elementos essenciais da vida infantil, mas, verdadeiramente, todo o essencial. Só é preciso saber explicitá-las com a ajuda da análise. Elas representam os anos esquecidos da infância com a mesma precisão com que o conteúdo manifesto dos sonhos representa os pensamentos”

A noção de lembrança encobridora tem um alcance geral, pois implica um questionamento do valor das lembranças de infância, que não podem ser tomadas ao pé da letra. É sobre esse ponto que Freud conclui: “Nossas lembranças de infância nos mostram os primeiros anos de nossa vida, não como eram, mas como apareceram ao serem evocadas em épocas posteriores...”. Em outras palavras, acrescenta ele de forma humorada, jogando com as palavras, não podemos nos fiar demais em nossas lembranças, pois as lembranças conscientes que temos “de” nossa infância não seriam, na verdade, lembranças que temos “sobre” nossa infância, que estamos, permanentemente, retocando?



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